sexta-feira, 5 de abril de 2013


Fichamento: COAN, Emerson Ike. Biomedicina e Biodireito. Desafios Bioéticos. Traços Semióticos para uma Hermenêutica Constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida, in SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito – Ciência da vida, os novos desafios, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 

ANÁLISE TEXTUAL - Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves

1. Introdução (p. 246)

O artigo versa sobre a relação entre a ciência da vida e da saúde (Biomedicina) com o Direito (Biodireito), identificando alguns desafios bioéticos na sociedade atual e utilizando a principiologia ao tratar da hermenêutica constitucional, o que significa, em outras palavras, estabelecer a interdisciplinaridade entre as ciências humanas, científicas e tecnológicas de forma ética com base no princípio da dignidade humana e da inviolabilidade do direito a vida elencados na CF/88.     

2. Biomedicina e Biodireito (P. 247/249)

            Através da medicina sempre se buscou a arte de curar as doenças, entendendo-se inicialmente isto até mesmo como um ato de amor pelo próximo já que se buscava com a medicina minorar as dores. No entanto, nos dias atuais a medicina está tão avançada e encontrando tantas novidades que se nestas descobertas não forem aplicadas à ética, corre-se o risco de serem violados valores humanos fundamentais já que com os avanços, os médicos hoje detêm um “poder” sobre o futuro da raça humana e da humanidade como um todo que sem ética pode-se virar contra o próprio homem.
O receio do descontrole, ou seja, da falta de ética nas atividades médicas tem levado a abusos em relação aos direitos individuais como a dignidade da pessoa mesmo enquanto célula, que por muitos é vista hoje apenas como objeto (coisificação do ser humano), o que faz a outros médicos se perguntarem até onde é cabível a intervenção destes sobre o ser humano.
A par destes conceitos surge o Biodireito, o qual engloba os direitos de 4° geração que temem que esses avanços tecnológicos na Biomedicina cada vez mais se tornem traumáticos, buscando-se então com esse novo direito regular as tantas situações surgidas que ainda não foram devidamente legisladas, já que cada vez mais se vê necessário uma postura ética de todos os profissionais envolvidos, sejam médicos ou juristas, já que o homem é a base da sociedade e é o fundamento de ambas as ciências.

3. Desafios Bioéticos (p. 249/255)

            Tanto o médico como o jurista, em uma visão interdisciplinar devem se preocupar em relação a bioética com o fato de hoje se poder fazer muitas coisas na medicina que, muitas vezes não coloca a vida humana entendida como bem supremo o que gera contradições entre o progresso tecnológico/ científico e o progresso moral/ético. As áreas da Biomedicina que tem gerado discussões são a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano com fins terapêuticos e científicos que para a ética deve-se fazê-lo (até certo ponto) por meio da doação, a questão da doação do corpo/órgãos daquele que já morreu em relação a sua vontade e a da família, a questão da mudança de sexo em relação à integridade psíquica, a eutanásia e o aborto, inseminação artificial homóloga e heteróloga, sendo esta a que gera maiores problemas no âmbito jurídico (mães de aluguel, incesto por não saber a origem genética). Os avanços da engenharia genética têm preocupado a todos, principalmente no tocante à manipulação da vida do homem o que se entende devem ser estabelecidos limites e formas de controle, não permitindo que situações que ponham em risco a integridade psíquica do ser humano que irá se formar, tanto genética quanto emocionalmente, apenas para satisfazer desejos “egoísticos” de certas pessoas, como por exemplo, o fato de um casal gay adotar uma criança ou uma pessoa solteira ter um filho por inseminação. Com o advento da clonagem da ovelha Dolly vários questionamentos se insurgiram quanto à possibilidade dessa tecnologia ser usada de forma a reproduzir seres humanos, para o que se entende seja necessária toda uma legislação que coíba tais experimentos pelo fato de que o homem não é o ser biológico, mas também é um ser social que interage em seu meio e deve ter sua dignidade respeitada. Posto isto, deve-se fixar que nessa busca desenfreada por progressos na biomedicina que possam vir a auxiliar a humanidade deve-se fazer sempre com base na ética, o que sem ela acaba por criar graves problemas jurídicos.

4. Traços Semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida (p. 256/260)

            A carta constitucional de 1988 apresenta os princípios da dignidade da pessoa humana como fundamento da república (art. 1°, III) e o da inviolabilidade do direito à vida encabeçando os direitos e garantias individuais (art. 5°, caput), princípios estes que, como outros elencados na CF, deverão ser analisados pelo jurista de forma a se fazer uma interpretação ampla, vendo-se o sentido e o alcance dos conceitos em termos de eficácia, o que demonstrando o nexo lógico entre eles e os demais elementos do direito, entendidos estes como a adequação em face da realidade social e dos valores inerentes a ela, poderá se demonstrar uma certa unidade do sentido dos conceitos.
            Nas palavras do autor (p. 257):
            “Com efeito: a norma constitucional (mensagem-texto) está sujeita à prudência objetiva do poder constituinte (emissor), apoiada no conjunto circunstancial-comunicativo fático e axiológico (intertextualidade) observando-se a sua eficácia social (semântica) – sentido (a norma considerada em relação ao objetivo normado) – e sua eficácia jurídica (sintática) – construção (a norma considerada em relação a outras normas) – ao influir no comportamento daqueles (pragmática) – funcionalidade (a norma em relação à sua função) – que pertencem à comunidade (receptora), ao externar suas aspirações sócio-culturais”.
            As normas constitucionais, então, deverão orientar o legislador infraconstitucional acerca dos parâmetros a serem seguidos por este na criação da lei, respeitando os preceitos da sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, a prevalência dos direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, a não submissão a tratamento desumano ou degradante, a inviolabilidade da consciência e livre expressão da atividade científica, a saúde, a ciência e tecnologia, a família e o meio ambiente, tendo-se sempre em conta como fundamental e absoluto (base para todos os outros) o respeito à dignidade da pessoa humana. Qualquer ser humano deverá ser respeitado na sua dignidade e na inviolabilidade do direito à vida, sendo que do primeiro decorre o valor do homem enquanto homem intrínseco a qualquer ser humano e, do segundo o direito primordial de todos, do qual decorrem todos os outros direitos, já que sem a vida ao há porque haver os outros direitos, já que sem a vida não há porque haver os outros. Esse se manifesta desde a concepção ate a morte (mesmo a pessoa morta tem direitos decorrentes do seu tempo com vida) sendo esses direitos intransmissíveis, indisponíveis e irrenunciáveis, não podendo nem mesmo o titular do direito, o homem, dispor dele, “porque se entende, universalmente, que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir missão própria na sociedade, assim, absoluto, fundamental, em suma, um direito natural, expressão jurídica da realidade humana”. (p. 260)
            Posto isto, entende-se que os princípios constitucionais que asseguram direitos fundamentais como os elencados, por princípios éticos que são, estão acima de qualquer inovação científica que possa vir a existir, devendo ser seguidos pelo operadores do direito no campo da Bioética e do Biodireito, sendo totalmente inconstitucional qualquer violação a esses direitos.

5. Conclusão (p. 260/261)

As diversas inovações biotecnológicas surgidas têm trazido diversas preocupações aos operadores do direito que até se criou um novo direito, o Biodireito, o qual exigem que sejam criados regramentos com base em valores princípiológicos, principalmente respeitando o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que na utilização das ciências o que prepondere é o total respeito ao ser humano considerado em si mesmo.  
PROBLEMATIZAÇÃO

01)  Sem a aplicação de princípios éticos em pesquisa ligadas diretamente a raça humana, é possível se manter uma certa racionalidade por parte dos pesquisadores entre o que é necessário ser realizado e o que fere a dignidade do ser humano como um todo (desde a sua concepção)?
02)  A partir da afirmação : “... deve-se fixar que nessa busca desenfreada por progressos na biomedicina que possam vir a auxiliar a humanidade deve-se fazer sempre com base na ética, o que sem ela acaba por criar graves problemas jurídicos”, pode-se acreditar que ao jurista cabe um papel fundamental na formação desses novos conceitos, posto que a ele cabe fazer os parâmetros a serem seguidos pelos pesquisadores no campo da medicina e biologia? Quais seriam esses parâmetros?

CITAÇÕES

Na p. 249, nota 14 o autor estabelece o conceito de Bioética ao citar a obra de Regina Fiúza Sauwen e Severo Hryniewicz, o Direito “in vitro”:
“Há que se entender a Bioética, num primeiro momento, como uma ramificação da ética, preocupada particularmente ‘com o respeito aos valores morais, na medida em que questiona o respeito à dignidade humana, em meio ao progresso das ciências’. Ademais a Bioética fala a qualquer pessoa, pois: ‘É um estudo interdisciplinar ligado à Ética, que investiga na área das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida humana em geral e da pessoa humana em particular’”.

            Na p. 250, nota 15 o autor coloca sobre a origem da palavra ética ao citar a obra de Maria Celeste Cordeiro Santos, Transplantes de órgãos e Eutanásia, p. 232-234; ainda O equilíbrio do pêndulo: a bioética e a lei: aspectos médico-legais, p. 30:
“A palavra ética, de origem grega ethos, significa o lugar onde se habita, morada ou residência, designa o lugar privilegiado que tem o homem e que o distingue e qualifica, vista também na acepção de modo de ser, caráter, hábito, representa os princípios e também os modos, as opções escolhidas que conduzem o ser ante os dilemas. Esta última acepção vincula-se à moral (do latim mos, moris  - uso, costume, maneira de viver), possibilitando conceituar a ética em sentido estrito como a ciência do dever moral; serve, pois de orientação, fim inerente ao comportamento e no que tange a ciência biomédica diz respeito à santidade e qualidade de vida”.    

Na p. 252 citação do autor sobre a engenharia genética:
“Todos vêem com preocupação os avanços da engenharia genética (cuja arte ou habilidade tem intuito eminentemente prático), sobremaneira no que diz respeito à manipulação da vida – do homem, inclusive – e as limitações e formas de controle que se fazem necessárias”.   

            Na p.254 citação do autor citando a obra Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução, p.30:
“Não se deve, como bem afirmou Sérgio Ferraz, ‘reconhecer ou proclamar um apriorístico e irrestrito direito subjetivo de quem quer que seja...O que predominará, necessariamente, será a conjugação de dois fatores princípiológicos...: a dignidade da pessoa dos doadores, o interesse (e, pois dignidade) do filho a ser gerado’, e acrescenta que a este último deve-se conectar a garantia de ser a ele assegurada uma convivência familiar, vetando-se a admissão de ‘técnicas genéticas que levem a geração de filhos num ‘casal’ de parceiros do mesmo sexo, ou em benefício de um homem só ou de uma mulher só’”.

            Na p. 255 acerca do fato de que o homem é um ser social e deve ser respeitada a sua dignidade:
“Nada mais lídimo, pois o homem não é um simples produto da natureza, ou seja, só um ser biológico, mas um ser social capaz de atuar conscientemente sobre aquela, modificando-a, à luz de sua liberdade racional e responsável, o que implica sempre limites éticos. A isto se pode embasar o princípio da dignidade humana, impondo-se a constatação de que os avanços tecnológicos e científicos não são neutros e acabados em si mesmos”.

            Na p. 257 acerca dos princípios constitucionais:
“Cabe expor, neste passo, que é possível ‘uma interpretação ampla que liberte o conceito de interpretação gramatical da lei, como estudo mecânico de aspectos sintáticos e semânticos da frase, para perceber que a intertextualidade do discurso,em todas as situações comunicativas, deve ser esmiuçada em suas múltiplas relações semiológicas, buscando sua aplicabilidade no contexto cultural, concluindo-se, desta sorte pela necessidade de a organização frásica legislativa seguir uma ordem lingüística estável e regular que, sem desviar-se das camadas mais profundas da significação expressional, é manejada com a estrutura lógica’.
Ademais, sendo a norma constitucional um fator de controle social por prescrever condutas, cabe ao jurista desvendar, após uma leitura compreensiva, o seu sentido e alcance – interpretação -, podendo, assim, identificar sua funcionalidade-aplicabilidade em termos de eficácia. Assim, ao verificar criticamente o nexo lógico entre aquela e os demais elementos do direito (sua adequação em face da realidade social e aos valores vigentes na sociedade), pode dar-lhe uma certa unidade de sentido, enfim, a sua dimensão significativa.
Dimensão essa atrelada a princípios essenciais e duradouros para que a mobilidade social não propicie ruptura drástica ao sistema constitucional organizado “.

            Na p. 257, nota 34 acerca dos princípios constitucionais cita DAMIÃO, Regina Toledo, O discurso semiológico da norma constitucional, p. 90 :
“De maneira que ‘a norma constitucional deve ser necessariamente abstrata, não se limitando a fatos ou elementos concretos. Ao contrário disso, o dispositivo constitucional deve ser aplicável à sociedade em meio às suas transformações temporais e espaciais, porque o pensamento constitucional é o mais absoluto possível”.

            Na p. 258, nota 37, acerca dos princípios constitucionais cita MILARÉ, Edis, Princípios fundamentais do direito do ambiente, RT 756/55:
“O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência  - a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver”.

              Na p. 258, nota 38, acerca dos princípios constitucionais cita COELHO, Inocêncio Mártires, Interpretação Constitucional, p. 84:
            “Localiza-se em posição hierárquica superior porque ‘a pessoa é o valor-fonte de todos os valores ou o valor fundante da experiência ética’”.

            Na p. 258, nota 37, acerca dos princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e absoluto cita SANTOS, Fernando Ferreira dos, Princípio Constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 105:
 “...constituindo, em conseqüência, um minimum invulnerável que todo o ordenamento jurídico deve assegurar, e que nenhum outro princípio, valor, ser pode sacrificar, ferir o valor da pessoa”. 

ESQUEMATIZAÇÃO

Biomedicina - Biodireito – Avanços Biotecnológicos  - Ética – Interdisciplinaridade – Papel dos pesquisadores e do jurista – Princípio Constitucional do Direito à vida e da Dignidade da Pessoa Humana – Regramento com base na ética.

SÍNTESE PESSOAL

            No texto apresentaram-se de forma sucinta os avanços biotecnológicos pelos quais vem passando a Biomedicina e o fato de que estes acabaram por fazer necessária a criação de um novo direito, o Biodireito. Dentro dos aspectos levantados pelo autor, demonstra-se importante à preocupação com os parâmetros a serem utilizados nas pesquisas que envolvam a vida em si, posto que, como colocado, esta é base fundante a todos os outros direitos, posto que sem ela não há porque se falar em direitos, enfatizando-se também o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e a necessidade de um regramento com base na ética ligada a esses princípios. Posto isto, demonstrou-se no texto rapidamente as necessidades urgentes de criação dos limites às pesquisas, sob pena de se coisificar o ser humano, situação esta que pela rapidez com que foi tratada, deixa a desejar, podendo ser mais bem explorada se analisada, talvez, de forma comparativa. Ademais, no tocante aos princípios constitucionais citados, deixa-se de fazer uma melhor análise deste, o que se esperava mais aprofundado em face do título dado ao artigo que se subentendia ser este o tema central da matéria.   


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