Fichamento: COAN,
Emerson Ike. Biomedicina e Biodireito.
Desafios Bioéticos. Traços Semióticos para uma Hermenêutica Constitucional
fundamentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade
do direito à vida, in SANTOS,
Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito
– Ciência da vida, os novos desafios, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001.
ANÁLISE
TEXTUAL - Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves
1.
Introdução (p. 246)
O artigo versa sobre a relação entre a
ciência da vida e da saúde (Biomedicina) com o Direito (Biodireito),
identificando alguns desafios bioéticos na sociedade atual e utilizando a
principiologia ao tratar da hermenêutica constitucional, o que significa, em
outras palavras, estabelecer a interdisciplinaridade entre as ciências humanas,
científicas e tecnológicas de forma ética com base no princípio da dignidade
humana e da inviolabilidade do direito a vida elencados na CF/88.
2.
Biomedicina e Biodireito (P. 247/249)
Através da medicina sempre se buscou
a arte de curar as doenças, entendendo-se inicialmente isto até mesmo como um
ato de amor pelo próximo já que se buscava com a medicina minorar as dores. No
entanto, nos dias atuais a medicina está tão avançada e encontrando tantas
novidades que se nestas descobertas não forem aplicadas à ética, corre-se o
risco de serem violados valores humanos fundamentais já que com os avanços, os
médicos hoje detêm um “poder” sobre o futuro da raça humana e da humanidade
como um todo que sem ética pode-se virar contra o próprio homem.
O receio do descontrole, ou seja, da
falta de ética nas atividades médicas tem levado a abusos em relação aos
direitos individuais como a dignidade da pessoa mesmo enquanto célula, que por
muitos é vista hoje apenas como objeto (coisificação do ser humano), o que faz
a outros médicos se perguntarem até onde é cabível a intervenção destes sobre o
ser humano.
A par destes conceitos surge o
Biodireito, o qual engloba os direitos de 4° geração que temem que esses
avanços tecnológicos na Biomedicina cada vez mais se tornem traumáticos,
buscando-se então com esse novo direito regular as tantas situações surgidas
que ainda não foram devidamente legisladas, já que cada vez mais se vê necessário
uma postura ética de todos os profissionais envolvidos, sejam médicos ou
juristas, já que o homem é a base da sociedade e é o fundamento de ambas as
ciências.
3.
Desafios Bioéticos (p. 249/255)
Tanto o médico como o jurista, em
uma visão interdisciplinar devem se preocupar em relação a bioética com o fato
de hoje se poder fazer muitas coisas na medicina que, muitas vezes não coloca a
vida humana entendida como bem supremo o que gera contradições entre o
progresso tecnológico/ científico e o progresso moral/ético. As áreas da
Biomedicina que tem gerado discussões são a retirada e transplante de tecidos,
órgãos e partes do corpo humano com fins terapêuticos e científicos que para a
ética deve-se fazê-lo (até certo ponto) por meio da doação, a questão da doação
do corpo/órgãos daquele que já morreu em relação a sua vontade e a da família,
a questão da mudança de sexo em relação à integridade psíquica, a eutanásia e o
aborto, inseminação artificial homóloga e heteróloga, sendo esta a que gera
maiores problemas no âmbito jurídico (mães de aluguel, incesto por não saber a
origem genética). Os avanços da engenharia genética têm preocupado a todos,
principalmente no tocante à manipulação da vida do homem o que se entende devem
ser estabelecidos limites e formas de controle, não permitindo que situações
que ponham em risco a integridade psíquica do ser humano que irá se formar,
tanto genética quanto emocionalmente, apenas para satisfazer desejos
“egoísticos” de certas pessoas, como por exemplo, o fato de um casal gay adotar
uma criança ou uma pessoa solteira ter um filho por inseminação. Com o advento
da clonagem da ovelha Dolly vários questionamentos se insurgiram quanto à
possibilidade dessa tecnologia ser usada de forma a reproduzir seres humanos,
para o que se entende seja necessária toda uma legislação que coíba tais
experimentos pelo fato de que o homem não é o ser biológico, mas também é um
ser social que interage em seu meio e deve ter sua dignidade respeitada. Posto
isto, deve-se fixar que nessa busca desenfreada por progressos na biomedicina
que possam vir a auxiliar a humanidade deve-se fazer sempre com base na ética,
o que sem ela acaba por criar graves problemas jurídicos.
4.
Traços Semióticos para uma hermenêutica constitucional fundamentada nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade do direito à vida
(p. 256/260)
A carta constitucional de 1988
apresenta os princípios da dignidade da pessoa humana como fundamento da
república (art. 1°, III) e o da inviolabilidade do direito à vida encabeçando
os direitos e garantias individuais (art. 5°, caput), princípios estes que,
como outros elencados na CF, deverão ser analisados pelo jurista de forma a se
fazer uma interpretação ampla, vendo-se o sentido e o alcance dos conceitos em termos
de eficácia, o que demonstrando o nexo lógico entre eles e os demais elementos
do direito, entendidos estes como a adequação em face da realidade social e dos
valores inerentes a ela, poderá se demonstrar uma certa unidade do sentido dos
conceitos.
Nas palavras do autor (p. 257):
“Com efeito: a norma constitucional
(mensagem-texto) está sujeita à prudência objetiva do poder constituinte
(emissor), apoiada no conjunto circunstancial-comunicativo fático e axiológico
(intertextualidade) observando-se a sua eficácia social (semântica) – sentido
(a norma considerada em relação ao objetivo normado) – e sua eficácia jurídica
(sintática) – construção (a norma considerada em relação a outras normas) – ao
influir no comportamento daqueles (pragmática) – funcionalidade (a norma em relação
à sua função) – que pertencem à comunidade (receptora), ao externar suas
aspirações sócio-culturais”.
As normas constitucionais, então,
deverão orientar o legislador infraconstitucional acerca dos parâmetros a serem
seguidos por este na criação da lei, respeitando os preceitos da sociedade
livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, a prevalência dos
direitos humanos e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, a
não submissão a tratamento desumano ou degradante, a inviolabilidade da
consciência e livre expressão da atividade científica, a saúde, a ciência e
tecnologia, a família e o meio ambiente, tendo-se sempre em conta como
fundamental e absoluto (base para todos os outros) o respeito à dignidade da
pessoa humana. Qualquer ser humano deverá ser respeitado na sua dignidade e na
inviolabilidade do direito à vida, sendo que do primeiro decorre o valor do
homem enquanto homem intrínseco a qualquer ser humano e, do segundo o direito
primordial de todos, do qual decorrem todos os outros direitos, já que sem a
vida ao há porque haver os outros direitos, já que sem a vida não há porque
haver os outros. Esse se manifesta desde a concepção ate a morte (mesmo a
pessoa morta tem direitos decorrentes do seu tempo com vida) sendo esses
direitos intransmissíveis, indisponíveis e irrenunciáveis, não podendo nem
mesmo o titular do direito, o homem, dispor dele, “porque se entende,
universalmente, que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir missão
própria na sociedade, assim, absoluto, fundamental, em suma, um direito
natural, expressão jurídica da realidade humana”. (p. 260)
Posto isto, entende-se que os
princípios constitucionais que asseguram direitos fundamentais como os
elencados, por princípios éticos que são, estão acima de qualquer inovação
científica que possa vir a existir, devendo ser seguidos pelo operadores do
direito no campo da Bioética e do Biodireito, sendo totalmente inconstitucional
qualquer violação a esses direitos.
5.
Conclusão (p. 260/261)
As diversas inovações biotecnológicas
surgidas têm trazido diversas preocupações aos operadores do direito que até se
criou um novo direito, o Biodireito, o qual exigem que sejam criados
regramentos com base em valores princípiológicos, principalmente respeitando o
direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, a fim de que na
utilização das ciências o que prepondere é o total respeito ao ser humano
considerado em si mesmo.
PROBLEMATIZAÇÃO
01) Sem a aplicação de princípios éticos
em pesquisa ligadas diretamente a raça humana, é possível se manter uma certa
racionalidade por parte dos pesquisadores entre o que é necessário ser
realizado e o que fere a dignidade do ser humano como um todo (desde a sua
concepção)?
02) A partir da afirmação : “... deve-se
fixar que nessa busca desenfreada por progressos na biomedicina que possam vir
a auxiliar a humanidade deve-se fazer sempre com base na ética, o que sem ela
acaba por criar graves problemas jurídicos”, pode-se acreditar que ao jurista
cabe um papel fundamental na formação desses novos conceitos, posto que a ele
cabe fazer os parâmetros a serem seguidos pelos pesquisadores no campo da
medicina e biologia? Quais seriam esses parâmetros?
CITAÇÕES
Na p. 249, nota 14 o autor estabelece
o conceito de Bioética ao citar a obra de Regina Fiúza Sauwen e Severo
Hryniewicz, o Direito “in vitro”:
“Há
que se entender a Bioética, num primeiro momento, como uma ramificação da
ética, preocupada particularmente ‘com o respeito aos valores morais, na medida
em que questiona o respeito à dignidade humana, em meio ao progresso das ciências’.
Ademais a Bioética fala a qualquer pessoa, pois: ‘É um estudo interdisciplinar
ligado à Ética, que investiga na área das ciências da vida e da saúde, a
totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida
humana em geral e da pessoa humana em particular’”.
Na p. 250, nota 15 o autor coloca
sobre a origem da palavra ética ao citar a obra de Maria Celeste Cordeiro
Santos, Transplantes de órgãos e
Eutanásia, p. 232-234; ainda O
equilíbrio do pêndulo: a bioética e a lei: aspectos médico-legais, p. 30:
“A
palavra ética, de origem grega ethos, significa o lugar onde se habita, morada
ou residência, designa o lugar privilegiado que tem o homem e que o distingue e
qualifica, vista também na acepção de modo de ser, caráter, hábito, representa
os princípios e também os modos, as opções escolhidas que conduzem o ser ante
os dilemas. Esta última acepção vincula-se à moral (do latim mos, moris - uso, costume, maneira de viver),
possibilitando conceituar a ética em sentido estrito como a ciência do dever
moral; serve, pois de orientação, fim inerente ao comportamento e no que tange
a ciência biomédica diz respeito à santidade e qualidade de vida”.
Na p. 252 citação do autor sobre a
engenharia genética:
“Todos
vêem com preocupação os avanços da engenharia genética (cuja arte ou habilidade
tem intuito eminentemente prático), sobremaneira no que diz respeito à
manipulação da vida – do homem, inclusive – e as limitações e formas de
controle que se fazem necessárias”.
Na p.254 citação do autor citando a
obra Manipulações biológicas e
princípios constitucionais: uma introdução, p.30:
“Não
se deve, como bem afirmou Sérgio Ferraz, ‘reconhecer ou proclamar um
apriorístico e irrestrito direito subjetivo de quem quer que seja...O que
predominará, necessariamente, será a conjugação de dois fatores princípiológicos...:
a dignidade da pessoa dos doadores, o interesse (e, pois dignidade) do filho a
ser gerado’, e acrescenta que a este último deve-se conectar a garantia de ser
a ele assegurada uma convivência familiar, vetando-se a admissão de ‘técnicas
genéticas que levem a geração de filhos num ‘casal’ de parceiros do mesmo sexo,
ou em benefício de um homem só ou de uma mulher só’”.
Na p. 255 acerca do fato de que o
homem é um ser social e deve ser respeitada a sua dignidade:
“Nada
mais lídimo, pois o homem não é um simples produto da natureza, ou seja, só um
ser biológico, mas um ser social capaz de atuar conscientemente sobre aquela,
modificando-a, à luz de sua liberdade racional e responsável, o que implica
sempre limites éticos. A isto se pode embasar o princípio da dignidade humana,
impondo-se a constatação de que os avanços tecnológicos e científicos não são
neutros e acabados em si mesmos”.
Na p. 257 acerca dos princípios
constitucionais:
“Cabe
expor, neste passo, que é possível ‘uma interpretação ampla que liberte o
conceito de interpretação gramatical da lei, como estudo mecânico de aspectos
sintáticos e semânticos da frase, para perceber que a intertextualidade do
discurso,em todas as situações comunicativas, deve ser esmiuçada em suas
múltiplas relações semiológicas, buscando sua aplicabilidade no contexto
cultural, concluindo-se, desta sorte pela necessidade de a organização frásica
legislativa seguir uma ordem lingüística estável e regular que, sem desviar-se
das camadas mais profundas da significação expressional, é manejada com a
estrutura lógica’.
Ademais,
sendo a norma constitucional um fator de controle social por prescrever
condutas, cabe ao jurista desvendar, após uma leitura compreensiva, o seu
sentido e alcance – interpretação -, podendo, assim, identificar sua
funcionalidade-aplicabilidade em termos de eficácia. Assim, ao verificar
criticamente o nexo lógico entre aquela e os demais elementos do direito (sua
adequação em face da realidade social e aos valores vigentes na sociedade),
pode dar-lhe uma certa unidade de sentido, enfim, a sua dimensão significativa.
Dimensão
essa atrelada a princípios essenciais e duradouros para que a mobilidade social
não propicie ruptura drástica ao sistema constitucional organizado “.
Na
p. 257, nota 34 acerca dos princípios constitucionais cita DAMIÃO, Regina
Toledo, O discurso semiológico da norma
constitucional, p. 90 :
“De
maneira que ‘a norma constitucional deve ser necessariamente abstrata, não se
limitando a fatos ou elementos concretos. Ao contrário disso, o dispositivo
constitucional deve ser aplicável à sociedade em meio às suas transformações
temporais e espaciais, porque o pensamento constitucional é o mais absoluto
possível”.
Na p. 258, nota 37, acerca dos
princípios constitucionais cita MILARÉ, Edis, Princípios fundamentais do
direito do ambiente, RT 756/55:
“O
reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade,
como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência
física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta
existência - a qualidade de vida -, que
faz com que valha a pena viver”.
Na p. 258, nota 38, acerca dos princípios constitucionais cita COELHO,
Inocêncio Mártires, Interpretação
Constitucional, p. 84:
“Localiza-se em posição hierárquica
superior porque ‘a pessoa é o valor-fonte de todos os valores ou o valor
fundante da experiência ética’”.
Na p. 258, nota 37, acerca dos
princípio da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e absoluto
cita SANTOS, Fernando Ferreira dos, Princípio
Constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 105:
“...constituindo, em conseqüência, um minimum invulnerável que todo o
ordenamento jurídico deve assegurar, e que nenhum outro princípio, valor, ser
pode sacrificar, ferir o valor da pessoa”.
ESQUEMATIZAÇÃO
Biomedicina
- Biodireito – Avanços Biotecnológicos -
Ética – Interdisciplinaridade – Papel dos pesquisadores e do jurista –
Princípio Constitucional do Direito à vida e da Dignidade da Pessoa Humana –
Regramento com base na ética.
SÍNTESE
PESSOAL
No texto apresentaram-se de forma sucinta
os avanços biotecnológicos pelos quais vem passando a Biomedicina e o fato de
que estes acabaram por fazer necessária a criação de um novo direito, o
Biodireito. Dentro dos aspectos levantados pelo autor, demonstra-se importante à
preocupação com os parâmetros a serem utilizados nas pesquisas que envolvam a
vida em si, posto que, como colocado, esta é base fundante a todos os outros
direitos, posto que sem ela não há porque se falar em direitos, enfatizando-se
também o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e a necessidade de
um regramento com base na ética ligada a esses princípios. Posto isto,
demonstrou-se no texto rapidamente as necessidades urgentes de criação dos
limites às pesquisas, sob pena de se coisificar o ser humano, situação esta que
pela rapidez com que foi tratada, deixa a desejar, podendo ser mais bem
explorada se analisada, talvez, de forma comparativa. Ademais, no tocante aos
princípios constitucionais citados, deixa-se de fazer uma melhor análise deste,
o que se esperava mais aprofundado em face do título dado ao artigo que se
subentendia ser este o tema central da matéria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário