sexta-feira, 5 de abril de 2013


FICHAMENTO: LEITE, Eduardo de Oliveira. O Direito, a Ciência e as Leis Bioéticas, in SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito – Ciência da vida, os novos desafios, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

ANÁLISE TEXTUAL - Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves

1. Introdução (p. 98/99)

Devemos refletir sobre a ética nas inovações biotecnológicas, e não somente utilizá-las, devendo principalmente nos atentar em relação ao fato de que o desenvolvimento da bioética exige que questionemos de forma crítica através de fatos históricos, o poder da ciência na economia de mercado com o fim de resgatar o crescimento da dignidade humana.

2. O evento Dolly e a repercussão na aldeia global (p.99/102)

            Se pensarmos em inseminação artificial, fecundação in vitro, mães de substituição, engenharia genética e luta contra malformações congenitais, retirada e troca de órgãos, clonagem, experiências sobre pessoas, controle da dor, prolongamento da vida, eutanásia e medidas paliativas estaremos falando em bioética.
Com a clonagem da ovelha Dolly, a bioética foi invocada e diversas discussões surgiram, das quais conclui-se que devemos ter um equilíbrio no raciocínio, ou seja, não devemos ter nem posição totalmente contrária ou totalmente a favor das transformações médicas e biológicas que vem ocorrendo, repousando sempre nossas idéias no bom senso e no razoável.
Através da mídia, essas discussões foram levadas das salas restritas dos estudiosos ao cotidiano das pessoas em geral, o que faz com que estas passem de ouvidores passivos a agentes ativos no debate de questões, resultando em uma construção de idéias mais solidária e democrática acerca da ética que envolve essas questões que são diretamente ligadas à vida humana. E ainda, fez com que fossem questionados pela população em geral se essas pesquisas beneficiam, de alguma forma esta população, ou somente serve para o pesquisador ou para a empresa, havendo assim, uma maior interação do usuário dessas pesquisas no sentido de buscar respostas as suas dúvidas, e aquele que se encontrava como aplicador do método pesquisado, por exemplo, o médico.

3. A bioética e o mundo jurídico (p.102/104)

            As diversas situações suscitadas pelo aperfeiçoamento e desenvolvimento das diversas biotecnologias trouxeram ao operador do direito preocupações no sentido de criar meios garantidores de segurança legal tanto aos operadores dessas, quanto aos seus possíveis usuários, evitando, assim, demandas nos tribunais. Ocorre que diversos institutos do direito já pacificados foram diretamente atingidos por essas modificações instauradas no campo médico e biológico e conceitos como os da paternidade hoje se encontram com focos novos, anteriormente inexistentes (hoje, com a possibilidade de se ter à paternidade biológica certa pelo exame de DNA, vemos que em muitos casos essa não é a verdadeira, existindo também agora o conceito de paternidade afetiva, a qual antes era inimaginável frente ao Direito).
            Necessário se fez então a discussão também dentro do Direito, tanto por seus operadores diretos quanto por seus auxiliadores a fim de que decisões fossem tomadas que beneficiassem as pessoas em geral, mesmo que essas viessem a modificar, e modificaram, situações já estabelecidas na praxe jurídica.

4. A crise do Direito e a bioética (p. 104/107)

            Nos dias atuais o problema que se apresenta é o fato de que aquela idéia do homem como principal dentro das relações (seja ele homem nascido ou  apenas embrionário) ficou colocada de lado, frente ao fato de que em muitos países, principalmente na Inglaterra, entende-se que a ciência deve ter liberdade total nas suas pesquisas e experimentos, sendo perfeitamente possível, para esses cientistas, até a clonagem reprodutiva independentemente da aversão que essa prática cause na sociedade.
Expressa o autor idéia contrária a esse entendimento científico, colocando que o homem, seja em qual estágio estiver de sua formação deve ser valorizado e respeitado como ser maior entre os seres, elencando que a sociedade deve criar e se envolver nos debates acerca dessas descobertas a fim de que a partir da opinião pública sejam criados organismos pluridisciplinares de orientação e decisão com o fim de auxiliar o Direito.    
            Cabe ao Direito, conjuntamente com a sociedade em geral, determinar os parâmetros a serem realizadas tais pesquisas de acordo com os valores sociais, a fim de se dar segurança e limites a partir desses valores comuns da comunidade a qual tem necessidade de que estes estejam determinados normativamente para saber a conduta a ser realizada por todos os envolvidos, sejam direitos ou indiretos, pesquisadores ou membros da sociedade.

5. O desenvolvimento da ciência e a necessidade de controle (p. 107/109)

 O Direito tem o dever de regular as ciências biomédicas a fim de estimulá-las ou não, de acordo com os limites elencados pela própria sobrevivência do ser humano.
Segundo a civilista belga Marie-Thérèse Meulders-Klein a inviolabilidade do corpo humano e sua definição são favorecidas pelas “lógicas” dessas 4 grandes categorias:
a)    Lógica do conhecimento e do poder – privilégio do mundo racional ocidental, se materializa na vontade ininterrupta de saber o como e o porque de todas as coisas, a fim de dominar a natureza e o próprio destino;
b)    Lógica do proveito – bem mais grave porque todo progresso científico provoca imediatamente a necessidade humana de ganho e de proveito, como por exemplo, a venda de órgãos humanos, o aluguel de úteros, patenteamento de genes que é concedida nos EUA e comunidade européia, com exceção da França que a baniu (no Brasil a Lei de Propriedade Industrial, Lei n° 9.279/96, que rege as patentes veda qualquer possibilidade de patenteamento de genes humanos ou de seres vivos em geral, no todo ou em parte – DNA é parte – incluindo o genoma ou germoplasma) etc;
c)    Lógica da busca da felicidade – esta também se submete às leis de mercado, não se referindo a oferta, mas a procura constante de se combater o sofrimento e a morte e também se encontrar a felicidade, o que se pode exemplificar com as pílulas anticoncepcionais criadas para satisfazer a necessidade do homem de fazer o ato sexual sem o advento da gravidez, a eutanásia, a fecundação in vitro, a criopreservação de gametas, a manipulação dos genes e do genoma de óvulo humano fecundado, a clonagem etc, para os quais tanto os médicos e juristas, quanto o Estado são chamados a dirimir as controvérsias.
d)    Lógica da utilidade – é a lógica do Estado diante da demanda dos homens, seja ele totalitário ou providente, ele vê nas pesquisas uma forma de erradicar muitas doenças, mas seus custos são altos que em muitos Estados,mesmo sendo necessárias às pesquisas, estas tem sido racionadas em face do seu valor.
Diante destas situações, seja de uma, seja de todas, os Estados encontram-se hoje confrontando esses problemas buscando as soluções mais propícias aos questionamentos os quais deram origem a bioética.

6. A insuficiência das regulamentações alternativas (p. 109/116)

            Em face de não haver uma regulamentação certa sobre a matéria, muitos Estados tem recorrido a regulamentações alternativas, as quais se dividem em quatro naturezas:
a)    Códigos de deontologia profissional (ex. no Brasil, a Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina adota regras éticas para todos os profissionais que se utilizem técnicas de reprodução assistida, não tendo, no entanto nenhuma juridicidade, o que leva uma queixa apenas uma sanção de ordem disciplinar aplicada pelo Conselho e também a situações aonde prevalece os interesses da classe até mesmo sendo contrários a lei e aos costumes, como é o caso da permissão da mulher solteira fazer inseminação artificial em relação ao projeto parental estabelecido pelo legislador pátrio);
b)    Os regulamentos que se impõem certas associações;
c)    As regras de conduta baixadas por certas instituições particulares;
d)    As orientações dos comitês de ética (ex. no Brasil, o principal instrumento de trabalho dos cepas  - Comitês Especiais de Pesquisa é a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde que emite pareceres sem poderes de punição como os praticados pelo judiciário, tendo o campo de ação restrito ao órgão emissor da norma).
Como críticas a estas, apresenta-se o fato de que elas são ineficazes, destituídas de qualquer cogência, sendo facilmente contornáveis não permitindo atingir o fim esperado já que sem a juridicidade necessária não são passíveis de recursos frente ao poder judiciário, o que impede, por exemplo, a reparação de danos.
Ainda cabe dizer que o legislador francês, a fim de impedir situações aonde prevalece a vontade de uma categoria em face do estabelecido na lei, determinou na lei os casos em que seria possível se fazer uma inseminação artificial. Ainda retirou da esfera privada a relação mede, limitando o que aquele poderá prestar a este e o que este poderá pedir, dentro de princípios éticos estabelecidos na lei (pela aplicação do art. L.152-2 alínea 2 do Código da Saúde Pública, somente podem fazer a inseminação os casais heterossexuais, casados ou tendo vida em comum de, no mínimo, dois anos de existência).
Modificou-se, então, de uma realidade aonde prevalecia à vontade de cada um respeitada na sua integridade, ou seja, no caso o direito de ter filhos independente da sua situação pessoal e dos motivos, para uma realidade onde o Estado intervém dizendo quem poderá ter filhos, respeitando-se, sobretudo, os direitos daquele que poderá vir a ser outra pessoa, a criança. Posto isto, entende-se que no tocante a procriação, deve-se sair da esfera dos direitos subjetivos (aqui entendida como vontade da possível mãe) para a esfera dos direitos objetivos (a lei determinante da conduta possível), posto que não se trata do direito de apenas uma pessoa, mas de outra que ainda não pode se defender, a criança.
Cabe ainda ressaltar que a C é bem clara no art. 227 quanto ao direito da criança ao convívio familiar, entendendo-se esta como aquela formada por pai e mãe, o que a psiquiatria sempre entendeu como necessária à formação, ao desenvolvimento normal do ser humano. E também o art. 3° da Convenção Internacional dos Direitos da Criança estabelece que o Estado, com o fim de protegê-la, pode tomar as medidas protetora necessárias e até mesmo regulamentar a procriação artificial. 
Em discussões mais recentes na Europa, tem-se questionado o fato de que se adianta regulamentar, ou mesmo proibir certas condutas por parte dos pesquisadores que realizam suas pesquisas biotecnológicas porque estes têm liberdade, dentro de seus laboratórios, para agir conforme seus interesses e curiosidades surgidas na investigação. E, ainda, o fato de não existir uma legislação única européia para regulamentar essas situações, faz com que um pesquisador ou uma pessoa comum vá de um lugar onde a prática é proibida, para um onde é permitida a fim de realizar seu intuito (exemplifica que na Alemanha, pelo Relatório Banda é proibida a experiência sobre o corpo humano de qualquer forma, o que levam os interessados em fazer a inseminação artificial a fronteira com a França – Strasbourg – para fazê-la).
Posto isto, vê-se a urgente necessidade de se fazer uma legislação acerca da matéria que venha a dar um fim certo as diversas situações que tem surgido, o que tem levado o jurista a se questionar quais seriam as normas a serem criadas.

7. Conclusão

            As questões que envolvem a Bioética são complexas principalmente pelas diversas matérias que ela envolve (interdisciplinaridade) o que traz ao operador do direito grande dificuldade em se criar um sistema normativo juridicamente correto, posto que as outras ciências tem as suas normatizações, o que não permite uma imposição do Direito quanto as suas normas, mas sim deve-se buscar um relacionamento entre as condutas aceitáveis nas outras áreas afins com o direito. Acerca da matéria, o autor coloca que “Relativamente aos riscos científicos oriundos das novas descobertas e das novas tecnologias, a experiência tem demonstrado que as normas da bioética são, primeiro, normas deontológicas, ou éticas – produzidas pelas organizações representativas dos cientistas e dos médicos – para, somente num segundo momento, ingressarem no terreno jurídico, na esfera da norma imantada de cogência”( p.118). Posto isto, entende-se que o operador do direito deve estabelecer regras de acordo com as novas necessidades que esse novo direito impõe, buscando suprir as necessidades legislativas que foram deixadas nesse campo em face da falta da lei reguladora a cada caso, voltando-se, no entanto, ao resgate da dignidade humana em relação às essas novas descobertas.

PROBLEMÁTICA

01)    As diversas mudanças biotecnológicas trouxeram diversas alterações ao cotidiano das pessoas e atingiram conceitos já estabelecidos no Direito. Como o jurista e a sociedade devem encarar essas modificações? Qual o papel do jurista frente a elas? 
02)    Em que podemos nos basear na experiência de outros países acerca de suas normas para a regulamentação dos assuntos relacionados à biotecnologia? Essas experiências são cabíveis no Brasil em sua totalidade, ou deverão ser adaptadas conforme as necessidades e a cultura do país?
03)    Não parece haverem no Brasil maiores preocupações de legislador em estabelecer a normatização necessária a matéria. Como a sociedade como um todo pode se mobilizar? Qual o papel do jurista, enquanto estudioso do direito?
04)    O que tem prevalecido para a medicina, à ética ou os ganhos biotecnológicos e financeiros que isso envolve? Como estimular ou refrear isso, dependendo de qual prevaleça?
05)    Pelo ordenamento americano cada um pode determinar o que quiser no tocante a sua vida, prevalecendo até mesmo sobre o interesse geral (cite-se que a Suprema Corte americana em 1965 estabeleceu como princípio constitucional que cada pessoa é soberana na sua esfera privada até mesmo em relação ao Estado e as autoridades públicas). Se isso fosse tomado como um regramento fundamental aos direitos humanos, como isso implicaria na manutenção da ética no que envolve as pesquisas relativas a biotecnologia?

CITAÇÕES

Ao estabelecer um conceito de Bioética o autor colocou o pensamento de AMARAL, Francisco. O poder das ciências biomédicas: os direitos humanos como limite. A moralidade dos atos científicos, Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/Fiocruz – Fundação Osvaldo Cruz, 1999, p. 36. (p. 100):
“examina e discute os aspectos éticos relacionados com o desenvolvimento e as aplicações da biologia e da medicina, indicando os caminhos e os modos de se respeitar o valor da pessoa humana”.  

Ao falar sobre a necessidade de discussão pelo Direito das situações surgidas a partir das inovações biotecnológicas, asseverou o autor (p. 104):
“Não resta dúvida que foi o desenvolvimento explosivo das ciências tecnológicas no campo biomédico que forçou a renovação da reflexão ética e das problemáticas daí oriundas. Médicos e juristas, filósofos e assistentes sociais foram compelidos a sentar juntos para discutirem uma possível tomada de decisão. Não mais, porém, uma decisão individual, ou restrita a um setor de indagação científica, mas, ao contrário, uma decisão suficientemente ampla, capaz de, na sua interdisciplinaridade, apresentar uma solução a toda a condição humana.
A confrontação interdisciplinar dos casos surgidos suscitou, além do questionamento de posturas antigas, tidas como certas, o acesso à propostas reais, deliberadamente inovadoras.
Muito da crise que hoje vivemos e procuramos contornar decorre dessa constatação: o desenvolvimento de novas tecnologias ao serviço da vida ou da saúde colocou em cheque as referências e medidas habituais e os fundamentos da moral e da deontologia que figuravam nos códigos jurídicos que regulavam a conduta humana “.

Ao colocar-se contrário a conduta dos cientistas ingleses quanto a necessidade de se fazer ciência livre de quaisquer condutas éticas e sem dar a valoração devida ao ser humano como um todo, colocou o autor a assertiva de PEGORARO, Olinto A. O que é o ser humano? A moralidade dos atos científicos. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde/ Fiocruz – Fundação Osvaldo Cruz, 1999, p. 29. (p. 105):
“são eticamente válidos desde que feitos segundo o respeito e a beneficência devidos ao ser humano em qualquer estágio. Isto porque um ser humano embrionário, fetal ou adulto é sempre um ser humano e nunca uma coisa; um embrião ou um feto humano tem a dignidade de ser humano (ou pessoa em potencial) eticamente mais valioso que qualquer outra espécie vivente. Ele possui todos os genes humanos e está em via de vir-a-ser pessoa...(porque) nosso corpo é sempre humano no seu todo e em cada uma de suas partes...(porque) qualquer que seja o estágio de sua evolução, o ser humano está situado no ponto mais adiantado da evolução e, por isso, revestido do grau mais elevado de eticidade”.    

O autor, acerca da lei n. 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) no tocante as patentes de genes humanos expõe (p. 108):
“No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial, que rege as patentes, veda qualquer possibilidade de patenteamento de genes humanos. Ou seja, a Lei 9.279/96 é suficientemente clara a afastar qualquer exegese favorável ao patenteamento de genes humanos; como encontrado na natureza, não se podem patentear genes humanos, nem genes de plantas (seres vivos naturais), na medida em que a lei veda a hipótese de patentear seres vivos no todo ou em parte (e DNA é considerado parte), incluindo genoma ou germoplasma, como achados na natureza ou dela isolados”.

Sobre as normas do Conselho Federal de Medicina coloca (p.111):
“No caso da Resolução 1.358/92, por exemplo, uma mulher solteira pode se submeter ao processo de inseminação e gerar um filho sem pai, quando é sabido que a família que o legislador tem interesse em garantir à criança é formada de pai e de mãe; quando é regra dominante da ética mundial contemporânea não admitir o recurso à procriação artificial movido por puro egoísmo, ou por mero interesse de ordem particular, mas sempre como resultado de um projeto parental (de pai e de mãe, do casal, portanto) tendente a contornar os problemas oriundos da infertilidade ou da esterilidade humanas.
Evidentemente esta é uma matéria que está a exigir imediata atuação de regra legislativa (dotada de cogência, pois) em substituição a uma regra deontológica, de manifesto interesse de uma categoria profissional (no caso em tela, os médicos) “.

            Acerca do que o legislador francês fez para barrar as práticas de inseminação artificial na França que ocorria apenas com base nos interesses desses (p. 112):
“O legislador tomou posição clara e não mais permite que as condições de acesso às procriações artificiais sejam decididas pelo juiz, pelos médicos ou pelas partes interessadas. É a lei que define as condições de acesso.
A nova legislação restringe a assistência médica à procriação aos únicos (dois) casos que ela indica no texto legal e marca, assim, um limite ao desenvolvimento da medicina que se pode qualificar de ‘medicina do desejo’. O médico não está disponível para realizar os desejos diversos e fantasiosos de seus clientes.
Mas a nova tendência legislativa produz efeitos mais amplos do que se pode imaginar numa abordagem inicial e superficial.
Com efeito, definindo o ambiente da atividade medica o legislador retira a relação médica da esfera privada. O ato médico deixa de ser uma relação entre duas pessoas privadas. A oferta feita pela lei e legitimada ao médico passa a ser limitada por aquilo que o legislador considerou ‘eticamente’ possível. O que é cientificamente possível é socialmente limitado
A questão de Francisco Amaral: ‘tudo que é tecnicamente possível também o será ética e juridicamente?’ já encontraria na postura francesa uma resposta imediata e sem vacilações: tudo o que é tecnicamente possível não o é, necessariamente, ética e juridicamente. Se todos os progressos são benéficos já que o conhecimento das coisas nada mais é do quem um plus o emprego que é feito pelos homens deve ser controlado, sob risco de se praticarem atos ajurídicos e antiéticos “.

            Ainda acerca do mesmo tema, enfocando o conflito de interesses daqueles que buscavam na medicina a satisfação dos seus desejos e os interesses da criança (p. 113):
“Dois argumentos essenciais foram invocados pelo legislador da época para justificar esta eventual imissão do Estado na esfera privada: o primeiro argumento está vinculado ao direito ao respeito da vida privada das pessoas e, mais precisamente, ao direito ao respeito da vida familiar e ao direito de criar uma família. Estes diferentes direitos, que traduzem a liberdade da pessoa de organizar sua vida pessoal, conferiam, na ótica de alguns juristas, um ‘direito à criança’ que, certamente, acarretaria o livre acesso à assistência médica quanto às procriações. O invocado ‘direito à criança’ constrangeria o Estado a colocar à disposição de todo indivíduo as técnicas de procriação artificial.
Assim, mesmo que esta intenção dependesse de um desejo, de uma pulsão ou de um fantasma, ele deveria ser atendido.
Ora, este tipo de raciocínio foi literalmente banido pelo legislador de 1994.
Assim, assumindo uma postura diametralmente oposta, o legislador de 94, invocando o mesmo direito ao respeito da vida privada, entende que este direito só pode ser argüido quando a vida íntima da pessoa que o invocou só diz respeito a ela. Ora, no caso de procriação, a vida e o direito de uma outra pessoa – o da criança – estão em jogo.
O direito ao respeito da vida privada, direito egoísta, não pode ser invocado por seu titular para destruir ou comprometer os interesses de outro indivíduo (no caso, a criança).
Esses diferentes direitos individuais não podem se transformar em um direito a ter um filho. O interesse maior da criança (tão invocado pelo ECA, e cotidianamente comprometido) permite um controle da instituição familiar e autoriza o Estado a penetrar na esfera privada dos indivíduos, ultrapassando até a intimidade, se necessário for, porque a proteção da criança constitui uma exigência de toda a sociedade democrática e o fundamento da ingerência estatal na vida privada “.

Dando continuidade à idéia de necessidade de intervenção estatal na esfera privada no tocante a procriação, também dando ênfase à citação de LE MINTIER, Brigitte Feuillet. L’assistance médicale à la procréation. Lês lois “bioéthiques” à l’épreuve des faits. Réalités et perspectives. Paris: PUF, 1999, p. 194-201 (p. 114/115):
“Vale frisar que o fundamento da intervenção estatal é e deve ser o interesse da criança. A necessária proteção da criança a nascer exige que se abandone o terreno dos direitos subjetivos para colocar as procriações artificiais sob a égide do direito objetivo. Ou, como tão bem sublinhou Feuillet Le Mintier, ‘nosso sistema francês de respeito da vida privada não pode ser assimilado ao sistema americano do right of privacy pelo qual toda pessoa tem o direito de assumir só as decisões na esfera de sua vida privada’. É interesse de todos (interesse geral) proteger as crianças e, notadamente, aquelas que a sociedade vai ajudar a nascer”. 

ESQUEMATIZAÇÃO

Avanços Biotecnológicos - Bioética - Direito – Necessidade de Regramento Jurídico e os outros tipos de regramento – a Interdisciplinaridade como dificuldade para a realização de um novo regramento.

SÍNTESE PESSOAL

            Tendo sido demonstrado no texto a necessidade de se regulamentar as diversas questões que tem surgido com as biotecnologias surgidas, fez-se toda uma análise de situações e regramentos que estão sendo utilizados, condutas que encontram-se sendo realizadas etc, de forma a se demonstrar várias situações que tem acontecido em relação as biotecnologias existentes. Dentro do contexto, buscou-se demonstrar as necessidades em relação à ética, demonstrando-se sempre situações informativas. Posto isto, demonstrou-se no texto analisado que a sistemática adotada e o conteúdo escolhido, acabaram por atingir a finalidade do texto, ou seja, informar acerca das novidades e também da problemática que essas tem gerado no campo jurídico, vendo para isso sempre o enfoque do princípio da dignidade da pessoa humana.


           


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