FICHAMENTO: LEITE,
Eduardo de Oliveira. O Direito, a
Ciência e as Leis Bioéticas, in
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.). Biodireito – Ciência da vida, os novos desafios, São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2001.
ANÁLISE
TEXTUAL - Juliana Rui Fernandes dos Reis Gonçalves
1.
Introdução (p. 98/99)
Devemos refletir sobre a ética nas
inovações biotecnológicas, e não somente utilizá-las, devendo principalmente
nos atentar em relação ao fato de que o desenvolvimento da bioética exige que questionemos
de forma crítica através de fatos históricos, o poder da ciência na economia de
mercado com o fim de resgatar o crescimento da dignidade humana.
2.
O evento Dolly e a repercussão na aldeia global (p.99/102)
Se pensarmos em inseminação
artificial, fecundação in vitro, mães
de substituição, engenharia genética e luta contra malformações congenitais,
retirada e troca de órgãos, clonagem, experiências sobre pessoas, controle da
dor, prolongamento da vida, eutanásia e medidas paliativas estaremos falando em
bioética.
Com a clonagem da ovelha Dolly, a
bioética foi invocada e diversas discussões surgiram, das quais conclui-se que
devemos ter um equilíbrio no raciocínio, ou seja, não devemos ter nem posição
totalmente contrária ou totalmente a favor das transformações médicas e
biológicas que vem ocorrendo, repousando sempre nossas idéias no bom senso e no
razoável.
Através da mídia, essas discussões
foram levadas das salas restritas dos estudiosos ao cotidiano das pessoas em
geral, o que faz com que estas passem de ouvidores passivos a agentes ativos no
debate de questões, resultando em uma construção de idéias mais solidária e
democrática acerca da ética que envolve essas questões que são diretamente
ligadas à vida humana. E ainda, fez com que fossem questionados pela população
em geral se essas pesquisas beneficiam, de alguma forma esta população, ou
somente serve para o pesquisador ou para a empresa, havendo assim, uma maior
interação do usuário dessas pesquisas no sentido de buscar respostas as suas
dúvidas, e aquele que se encontrava como aplicador do método pesquisado, por
exemplo, o médico.
3.
A bioética e o mundo jurídico (p.102/104)
As diversas situações suscitadas
pelo aperfeiçoamento e desenvolvimento das diversas biotecnologias trouxeram ao
operador do direito preocupações no sentido de criar meios garantidores de
segurança legal tanto aos operadores dessas, quanto aos seus possíveis
usuários, evitando, assim, demandas nos tribunais. Ocorre que diversos institutos
do direito já pacificados foram diretamente atingidos por essas modificações
instauradas no campo médico e biológico e conceitos como os da paternidade hoje
se encontram com focos novos, anteriormente inexistentes (hoje, com a
possibilidade de se ter à paternidade biológica certa pelo exame de DNA, vemos
que em muitos casos essa não é a verdadeira, existindo também agora o conceito
de paternidade afetiva, a qual antes era inimaginável frente ao Direito).
Necessário se fez então a discussão
também dentro do Direito, tanto por seus operadores diretos quanto por seus
auxiliadores a fim de que decisões fossem tomadas que beneficiassem as pessoas
em geral, mesmo que essas viessem a modificar, e modificaram, situações já
estabelecidas na praxe jurídica.
4.
A crise do Direito e a bioética (p. 104/107)
Nos dias atuais o problema que se
apresenta é o fato de que aquela idéia do homem como principal dentro das
relações (seja ele homem nascido ou
apenas embrionário) ficou colocada de lado, frente ao fato de que em
muitos países, principalmente na Inglaterra, entende-se que a ciência deve ter
liberdade total nas suas pesquisas e experimentos, sendo perfeitamente
possível, para esses cientistas, até a clonagem reprodutiva independentemente
da aversão que essa prática cause na sociedade.
Expressa o autor idéia contrária a
esse entendimento científico, colocando que o homem, seja em qual estágio
estiver de sua formação deve ser valorizado e respeitado como ser maior entre
os seres, elencando que a sociedade deve criar e se envolver nos debates acerca
dessas descobertas a fim de que a partir da opinião pública sejam criados
organismos pluridisciplinares de orientação e decisão com o fim de auxiliar o
Direito.
Cabe ao Direito, conjuntamente com a
sociedade em geral, determinar os parâmetros a serem realizadas tais pesquisas
de acordo com os valores sociais, a fim de se dar segurança e limites a partir
desses valores comuns da comunidade a qual tem necessidade de que estes estejam
determinados normativamente para saber a conduta a ser realizada por todos os
envolvidos, sejam direitos ou indiretos, pesquisadores ou membros da sociedade.
5.
O desenvolvimento da ciência e a necessidade de controle (p. 107/109)
O Direito tem o dever de regular as ciências
biomédicas a fim de estimulá-las ou não, de acordo com os limites elencados
pela própria sobrevivência do ser humano.
Segundo a civilista belga
Marie-Thérèse Meulders-Klein a inviolabilidade do corpo humano e sua definição
são favorecidas pelas “lógicas” dessas 4 grandes categorias:
a)
Lógica
do conhecimento e do poder – privilégio do mundo racional ocidental, se
materializa na vontade ininterrupta de saber o como e o porque de todas as
coisas, a fim de dominar a natureza e o próprio destino;
b)
Lógica
do proveito – bem mais grave porque todo progresso científico provoca imediatamente
a necessidade humana de ganho e de proveito, como por exemplo, a venda de
órgãos humanos, o aluguel de úteros, patenteamento de genes que é concedida nos
EUA e comunidade européia, com exceção da França que a baniu (no Brasil a Lei
de Propriedade Industrial, Lei n° 9.279/96, que rege as patentes veda qualquer
possibilidade de patenteamento de genes humanos ou de seres vivos em geral, no
todo ou em parte – DNA é parte – incluindo o genoma ou germoplasma) etc;
c)
Lógica
da busca da felicidade – esta também se submete às leis de mercado, não se
referindo a oferta, mas a procura constante de se combater o sofrimento e a
morte e também se encontrar a felicidade, o que se pode exemplificar com as pílulas
anticoncepcionais criadas para satisfazer a necessidade do homem de fazer o ato
sexual sem o advento da gravidez, a eutanásia, a fecundação in vitro, a criopreservação de gametas,
a manipulação dos genes e do genoma de óvulo humano fecundado, a clonagem etc,
para os quais tanto os médicos e juristas, quanto o Estado são chamados a
dirimir as controvérsias.
d)
Lógica
da utilidade – é a lógica do Estado diante da demanda dos homens, seja ele
totalitário ou providente, ele vê nas pesquisas uma forma de erradicar muitas
doenças, mas seus custos são altos que em muitos Estados,mesmo sendo
necessárias às pesquisas, estas tem sido racionadas em face do seu valor.
Diante destas situações, seja de uma,
seja de todas, os Estados encontram-se hoje confrontando esses problemas
buscando as soluções mais propícias aos questionamentos os quais deram origem a
bioética.
6.
A insuficiência das regulamentações alternativas (p. 109/116)
Em face de não haver uma
regulamentação certa sobre a matéria, muitos Estados tem recorrido a
regulamentações alternativas, as quais se dividem em quatro naturezas:
a)
Códigos
de deontologia profissional (ex. no Brasil, a Resolução 1.358/92 do Conselho
Federal de Medicina adota regras éticas para todos os profissionais que se utilizem
técnicas de reprodução assistida, não tendo, no entanto nenhuma juridicidade, o
que leva uma queixa apenas uma sanção de ordem disciplinar aplicada pelo
Conselho e também a situações aonde prevalece os interesses da classe até mesmo
sendo contrários a lei e aos costumes, como é o caso da permissão da mulher
solteira fazer inseminação artificial em relação ao projeto parental
estabelecido pelo legislador pátrio);
b)
Os
regulamentos que se impõem certas associações;
c)
As
regras de conduta baixadas por certas instituições particulares;
d)
As
orientações dos comitês de ética (ex. no Brasil, o principal instrumento de
trabalho dos cepas - Comitês Especiais
de Pesquisa é a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde que emite pareceres sem
poderes de punição como os praticados pelo judiciário, tendo o campo de ação
restrito ao órgão emissor da norma).
Como críticas a estas, apresenta-se o
fato de que elas são ineficazes, destituídas de qualquer cogência, sendo
facilmente contornáveis não permitindo atingir o fim esperado já que sem a
juridicidade necessária não são passíveis de recursos frente ao poder
judiciário, o que impede, por exemplo, a reparação de danos.
Ainda cabe dizer que o legislador
francês, a fim de impedir situações aonde prevalece a vontade de uma categoria
em face do estabelecido na lei, determinou na lei os casos em que seria
possível se fazer uma inseminação artificial. Ainda retirou da esfera privada a
relação mede, limitando o que aquele poderá prestar a este e o que este poderá
pedir, dentro de princípios éticos estabelecidos na lei (pela aplicação do art.
L.152-2 alínea 2 do Código da Saúde Pública, somente podem fazer a inseminação
os casais heterossexuais, casados ou tendo vida em comum de, no mínimo, dois
anos de existência).
Modificou-se, então, de uma realidade
aonde prevalecia à vontade de cada um respeitada na sua integridade, ou seja,
no caso o direito de ter filhos independente da sua situação pessoal e dos
motivos, para uma realidade onde o Estado intervém dizendo quem poderá ter
filhos, respeitando-se, sobretudo, os direitos daquele que poderá vir a ser
outra pessoa, a criança. Posto isto, entende-se que no tocante a procriação,
deve-se sair da esfera dos direitos subjetivos (aqui entendida como vontade da
possível mãe) para a esfera dos direitos objetivos (a lei determinante da
conduta possível), posto que não se trata do direito de apenas uma pessoa, mas
de outra que ainda não pode se defender, a criança.
Cabe ainda ressaltar que a C é bem
clara no art. 227 quanto ao direito da criança ao convívio familiar,
entendendo-se esta como aquela formada por pai e mãe, o que a psiquiatria
sempre entendeu como necessária à formação, ao desenvolvimento normal do ser
humano. E também o art. 3° da Convenção Internacional dos Direitos da Criança
estabelece que o Estado, com o fim de protegê-la, pode tomar as medidas protetora
necessárias e até mesmo regulamentar a procriação artificial.
Em discussões mais recentes na Europa,
tem-se questionado o fato de que se adianta regulamentar, ou mesmo proibir
certas condutas por parte dos pesquisadores que realizam suas pesquisas
biotecnológicas porque estes têm liberdade, dentro de seus laboratórios, para
agir conforme seus interesses e curiosidades surgidas na investigação. E,
ainda, o fato de não existir uma legislação única européia para regulamentar
essas situações, faz com que um pesquisador ou uma pessoa comum vá de um lugar
onde a prática é proibida, para um onde é permitida a fim de realizar seu
intuito (exemplifica que na Alemanha, pelo Relatório Banda é proibida a experiência
sobre o corpo humano de qualquer forma, o que levam os interessados em fazer a
inseminação artificial a fronteira com a França – Strasbourg – para fazê-la).
Posto isto, vê-se a urgente
necessidade de se fazer uma legislação acerca da matéria que venha a dar um fim
certo as diversas situações que tem surgido, o que tem levado o jurista a se
questionar quais seriam as normas a serem criadas.
7.
Conclusão
As questões que envolvem a Bioética
são complexas principalmente pelas diversas matérias que ela envolve (interdisciplinaridade)
o que traz ao operador do direito grande dificuldade em se criar um sistema
normativo juridicamente correto, posto que as outras ciências tem as suas
normatizações, o que não permite uma imposição do Direito quanto as suas
normas, mas sim deve-se buscar um relacionamento entre as condutas aceitáveis
nas outras áreas afins com o direito. Acerca da matéria, o autor coloca que
“Relativamente aos riscos científicos oriundos das novas descobertas e das
novas tecnologias, a experiência tem demonstrado que as normas da bioética são,
primeiro, normas deontológicas, ou éticas – produzidas pelas organizações
representativas dos cientistas e dos médicos – para, somente num segundo
momento, ingressarem no terreno jurídico, na esfera da norma imantada de
cogência”( p.118). Posto isto, entende-se que o operador do direito deve
estabelecer regras de acordo com as novas necessidades que esse novo direito
impõe, buscando suprir as necessidades legislativas que foram deixadas nesse
campo em face da falta da lei reguladora a cada caso, voltando-se, no entanto,
ao resgate da dignidade humana em relação às essas novas descobertas.
PROBLEMÁTICA
01)
As
diversas mudanças biotecnológicas trouxeram diversas alterações ao cotidiano
das pessoas e atingiram conceitos já estabelecidos no Direito. Como o jurista e
a sociedade devem encarar essas modificações? Qual o papel do jurista frente a
elas?
02)
Em
que podemos nos basear na experiência de outros países acerca de suas normas
para a regulamentação dos assuntos relacionados à biotecnologia? Essas
experiências são cabíveis no Brasil em sua totalidade, ou deverão ser adaptadas
conforme as necessidades e a cultura do país?
03)
Não
parece haverem no Brasil maiores preocupações de legislador em estabelecer a
normatização necessária a matéria. Como a sociedade como um todo pode se
mobilizar? Qual o papel do jurista, enquanto estudioso do direito?
04)
O
que tem prevalecido para a medicina, à ética ou os ganhos biotecnológicos e
financeiros que isso envolve? Como estimular ou refrear isso, dependendo de
qual prevaleça?
05)
Pelo
ordenamento americano cada um pode determinar o que quiser no tocante a sua
vida, prevalecendo até mesmo sobre o interesse geral (cite-se que a Suprema
Corte americana em 1965 estabeleceu como princípio constitucional que cada
pessoa é soberana na sua esfera privada até mesmo em relação ao Estado e as
autoridades públicas). Se isso fosse tomado como um regramento fundamental aos
direitos humanos, como isso implicaria na manutenção da ética no que envolve as
pesquisas relativas a biotecnologia?
CITAÇÕES
Ao estabelecer um conceito de Bioética
o autor colocou o pensamento de AMARAL, Francisco. O poder das ciências biomédicas: os direitos humanos como limite. A
moralidade dos atos científicos, Rio de Janeiro: Ministério da
Saúde/Fiocruz – Fundação Osvaldo Cruz, 1999, p. 36. (p. 100):
“examina
e discute os aspectos éticos relacionados com o desenvolvimento e as aplicações
da biologia e da medicina, indicando os caminhos e os modos de se respeitar o
valor da pessoa humana”.
Ao falar sobre a necessidade de
discussão pelo Direito das situações surgidas a partir das inovações
biotecnológicas, asseverou o autor (p. 104):
“Não
resta dúvida que foi o desenvolvimento explosivo das ciências tecnológicas no
campo biomédico que forçou a renovação da reflexão ética e das problemáticas
daí oriundas. Médicos e juristas, filósofos e assistentes sociais foram
compelidos a sentar juntos para discutirem uma possível tomada de decisão. Não
mais, porém, uma decisão individual, ou restrita a um setor de indagação
científica, mas, ao contrário, uma decisão suficientemente ampla, capaz de, na
sua interdisciplinaridade, apresentar uma solução a toda a condição humana.
A
confrontação interdisciplinar dos casos surgidos suscitou, além do
questionamento de posturas antigas, tidas como certas, o acesso à propostas
reais, deliberadamente inovadoras.
Muito
da crise que hoje vivemos e procuramos contornar decorre dessa constatação: o
desenvolvimento de novas tecnologias ao serviço da vida ou da saúde colocou em
cheque as referências e medidas habituais e os fundamentos da moral e da
deontologia que figuravam nos códigos jurídicos que regulavam a conduta humana
“.
Ao colocar-se contrário a conduta dos
cientistas ingleses quanto a necessidade de se fazer ciência livre de quaisquer
condutas éticas e sem dar a valoração devida ao ser humano como um todo,
colocou o autor a assertiva de PEGORARO, Olinto A. O que é o ser humano? A moralidade dos atos científicos. Rio de
Janeiro: Ministério da Saúde/ Fiocruz – Fundação Osvaldo Cruz, 1999, p. 29. (p.
105):
“são
eticamente válidos desde que feitos segundo o respeito e a beneficência devidos
ao ser humano em qualquer estágio. Isto porque um ser humano embrionário, fetal
ou adulto é sempre um ser humano e nunca uma coisa; um embrião ou um feto
humano tem a dignidade de ser humano (ou pessoa em potencial) eticamente mais
valioso que qualquer outra espécie vivente. Ele possui todos os genes humanos e
está em via de vir-a-ser pessoa...(porque) nosso corpo é sempre humano no seu
todo e em cada uma de suas partes...(porque) qualquer que seja o estágio de sua
evolução, o ser humano está situado no ponto mais adiantado da evolução e, por
isso, revestido do grau mais elevado de eticidade”.
O autor, acerca da lei n. 9.279/96
(Lei de Propriedade Industrial) no tocante as patentes de genes humanos expõe
(p. 108):
“No
Brasil, a Lei de Propriedade Industrial, que rege as patentes, veda qualquer
possibilidade de patenteamento de genes humanos. Ou seja, a Lei 9.279/96 é
suficientemente clara a afastar qualquer exegese favorável ao patenteamento de
genes humanos; como encontrado na natureza, não se podem patentear genes
humanos, nem genes de plantas (seres vivos naturais), na medida em que a lei
veda a hipótese de patentear seres vivos no todo ou em parte (e DNA é
considerado parte), incluindo genoma ou germoplasma, como achados na natureza
ou dela isolados”.
Sobre as normas do Conselho Federal de
Medicina coloca (p.111):
“No
caso da Resolução 1.358/92, por exemplo, uma mulher solteira pode se submeter
ao processo de inseminação e gerar um filho sem pai, quando é sabido que a
família que o legislador tem interesse em garantir à criança é formada de pai e
de mãe; quando é regra dominante da ética mundial contemporânea não admitir o
recurso à procriação artificial movido por puro egoísmo, ou por mero interesse
de ordem particular, mas sempre como resultado de um projeto parental (de pai e
de mãe, do casal, portanto) tendente a contornar os problemas oriundos da
infertilidade ou da esterilidade humanas.
Evidentemente
esta é uma matéria que está a exigir imediata atuação de regra legislativa
(dotada de cogência, pois) em substituição a uma regra deontológica, de
manifesto interesse de uma categoria profissional (no caso em tela, os médicos)
“.
Acerca do que o legislador francês
fez para barrar as práticas de inseminação artificial na França que ocorria
apenas com base nos interesses desses (p. 112):
“O
legislador tomou posição clara e não mais permite que as condições de acesso às
procriações artificiais sejam decididas pelo juiz, pelos médicos ou pelas
partes interessadas. É a lei que define as condições de acesso.
A
nova legislação restringe a assistência médica à procriação aos únicos (dois)
casos que ela indica no texto legal e marca, assim, um limite ao
desenvolvimento da medicina que se pode qualificar de ‘medicina do desejo’. O
médico não está disponível para realizar os desejos diversos e fantasiosos de
seus clientes.
Mas
a nova tendência legislativa produz efeitos mais amplos do que se pode imaginar
numa abordagem inicial e superficial.
Com
efeito, definindo o ambiente da atividade medica o legislador retira a relação
médica da esfera privada. O ato médico deixa de ser uma relação entre duas
pessoas privadas. A oferta feita pela lei e legitimada ao médico passa a ser
limitada por aquilo que o legislador considerou ‘eticamente’ possível. O que é
cientificamente possível é socialmente limitado
A
questão de Francisco Amaral: ‘tudo que é tecnicamente possível também o será ética
e juridicamente?’ já encontraria na postura francesa uma resposta imediata e
sem vacilações: tudo o que é tecnicamente possível não o é, necessariamente,
ética e juridicamente. Se todos os progressos são benéficos já que o
conhecimento das coisas nada mais é do quem um plus o emprego que é feito pelos homens deve ser controlado, sob
risco de se praticarem atos ajurídicos e antiéticos “.
Ainda acerca do mesmo tema,
enfocando o conflito de interesses daqueles que buscavam na medicina a
satisfação dos seus desejos e os interesses da criança (p. 113):
“Dois
argumentos essenciais foram invocados pelo legislador da época para justificar
esta eventual imissão do Estado na esfera privada: o primeiro argumento está
vinculado ao direito ao respeito da vida privada das pessoas e, mais
precisamente, ao direito ao respeito da vida familiar e ao direito de criar uma
família. Estes diferentes direitos, que traduzem a liberdade da pessoa de
organizar sua vida pessoal, conferiam, na ótica de alguns juristas, um ‘direito
à criança’ que, certamente, acarretaria o livre acesso à assistência médica
quanto às procriações. O invocado ‘direito à criança’ constrangeria o Estado a
colocar à disposição de todo indivíduo as técnicas de procriação artificial.
Assim,
mesmo que esta intenção dependesse de um desejo, de uma pulsão ou de um
fantasma, ele deveria ser atendido.
Ora,
este tipo de raciocínio foi literalmente banido pelo legislador de 1994.
Assim,
assumindo uma postura diametralmente oposta, o legislador de 94, invocando o mesmo
direito ao respeito da vida privada, entende que este direito só pode ser
argüido quando a vida íntima da pessoa que o invocou só diz respeito a ela.
Ora, no caso de procriação, a vida e o direito de uma outra pessoa – o da
criança – estão em jogo.
O
direito ao respeito da vida privada, direito egoísta, não pode ser invocado por
seu titular para destruir ou comprometer os interesses de outro indivíduo (no
caso, a criança).
Esses
diferentes direitos individuais não podem se transformar em um direito a ter um
filho. O interesse maior da criança (tão invocado pelo ECA, e cotidianamente
comprometido) permite um controle da instituição familiar e autoriza o Estado a
penetrar na esfera privada dos indivíduos, ultrapassando até a intimidade, se
necessário for, porque a proteção da criança constitui uma exigência de toda a
sociedade democrática e o fundamento da ingerência estatal na vida privada “.
Dando continuidade à idéia de
necessidade de intervenção estatal na esfera privada no tocante a procriação,
também dando ênfase à citação de LE MINTIER, Brigitte Feuillet. L’assistance médicale à la procréation.
Lês lois “bioéthiques” à l’épreuve des faits. Réalités et perspectives. Paris:
PUF, 1999, p. 194-201 (p. 114/115):
“Vale
frisar que o fundamento da intervenção estatal é e deve ser o interesse da
criança. A necessária proteção da criança a nascer exige que se abandone o
terreno dos direitos subjetivos para colocar as procriações artificiais sob a
égide do direito objetivo. Ou, como tão bem sublinhou Feuillet Le Mintier,
‘nosso sistema francês de respeito da vida privada não pode ser assimilado ao
sistema americano do right of privacy
pelo qual toda pessoa tem o direito de assumir só as decisões na esfera de sua
vida privada’. É interesse de todos (interesse geral) proteger as crianças e,
notadamente, aquelas que a sociedade vai ajudar a nascer”.
ESQUEMATIZAÇÃO
Avanços
Biotecnológicos - Bioética - Direito – Necessidade de Regramento Jurídico e os
outros tipos de regramento – a Interdisciplinaridade como dificuldade para a
realização de um novo regramento.
SÍNTESE
PESSOAL
Tendo sido demonstrado no texto a
necessidade de se regulamentar as diversas questões que tem surgido com as
biotecnologias surgidas, fez-se toda uma análise de situações e regramentos que
estão sendo utilizados, condutas que encontram-se sendo realizadas etc, de
forma a se demonstrar várias situações que tem acontecido em relação as
biotecnologias existentes. Dentro do contexto, buscou-se demonstrar as
necessidades em relação à ética, demonstrando-se sempre situações informativas.
Posto isto, demonstrou-se no texto analisado que a sistemática adotada e o
conteúdo escolhido, acabaram por atingir a finalidade do texto, ou seja,
informar acerca das novidades e também da problemática que essas tem gerado no
campo jurídico, vendo para isso sempre o enfoque do princípio da dignidade da
pessoa humana.
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